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Histórias de servidores da Biblioteca Central que sobreviveram à Covid-19

De volta ao trabalho presencial, dois funcionários relatam vivências com a pandemia
publicado: 26/01/2022 11h53, última modificação: 18/10/2022 10h43

Há exatos dois anos, a humanidade vem perpassando por um dos mais duros períodos de sua existência, tendo como ponta-de-lança a Covid-19 – a pandemia que, literalmente, deixou o mundo de joelhos. Mais recentemente, no Brasil, houve um respiro após a vacinação em massa da população. No entanto, o surgimento da ômicron, uma das variantes do corona vírus, trouxe de volta o estado de alerta.

A exemplo do que ocorre no restante do país, desde o início do ano, a Universidade Federal da Paraíba, mais particularmente a Biblioteca Central, tenta retomar suas atividades, respeitando, evidentemente, todos os protocolos exigidos pelas autoridades sanitárias. Como todos os outros servidores que retomaram o trabalho presencial, vejo-me em meio ao processo de readaptação ao ambiente de trabalho, ou seja, às quase novas atividades laborais. Nesse reencontro com o mundo real, no intervalo para o cafezinho, tomei conhecimento de vivências de dois colegas que foram afetados pela doença.

Com o nobre gesto de externar as agruras a que foram submetidos quando acometidos pela Covid e, sobretudo, com o expresso objetivo de prevenir desavisados, Regina e Carlos contam como enfrentaram a doença e, mais importante, como estão agora, após passarem pelo que, pode-se dizer, uma experiência que jamais será esquecida.

Gratidão

Carlos Rolim é chefe da Divisão de Serviços ao Usuário. Entre outros setores, a DSU abriga a Seção de Empréstimo, responsável pela, digamos, linha de frente de atendimento ao público.  Ele teve Covid. Como a maioria das vítimas, ele não sabe dizer, com precisão, onde pode ter contraído o corona vírus. “Estava saindo minimamente de casa e, na época [maio/junho de 2020], não havia pessoas em casa com sintomas da doença”, afirma.

No entanto, o que está vivo na memória de Carlos são as conseqüências da Covid-19. “Em mim, a doença variou entre os níveis moderado e grave. Então, foram muitos sintomas, diversas inflamações que causaram desde febre alta até o comprometimento da capacidade pulmonar em 50%”, revela.

A fase seguinte foi de a recuperação, já que o bibliotecário havia sido liberado pelos médicos para ser tratado em casa. Apesar dessa primeira vitória, Carlos comprometeu-se em retornar ao hospital, durante 12 dias consecutivos, para aplicação de medicações. Quando perguntei sobre os medicamentos receitados pelos médicos, o chefe da DSU foi taxativo: “Foram vários, mas todos com prescrição médica, que seguiram as orientações dos principais órgãos de saúde, como OMS [Organização Mundial da Saúde] e CRM [Conselho Regional de Medicina]”, detalhou.

Nesse ínterim, enquanto estava em tratamento médico, o sofrimento do colega da Biblioteca Central teve um lenitivo: foi poupado da dor indescritível da perda de familiares ou de amigos. “Não perdi pessoas tão próximas, mas recebi notícias sobre a morte de muitas pessoas conhecidas”, lamenta, mesmo assim.

Carlos Rolim é um dos adeptos do pleno reconhecimento do mérito da vacinação, tratando-a como fundamental para o Brasil e o mundo vencerem essa guerra contra o corona. “A importância da vacina está nos dados, nas estatísticas que demonstram a queda do número de internações graves”, frisou. Ele acrescentou que, com a vacinação em massa, percebe-se que houve redução no número de morte de pessoas conhecidas. Segundo ele, “felizmente”, isso ocorreu quase que simultaneamente à campanha de vacinação orquestrada pelo Ministério da Saúde.

Ainda sobre a vacinação, Carlos disse que não estava vacinado quando contraiu o vírus e que isso aconteceu na semana em que receberia a primeira dose de imunização. Por outro lado, ele adiantou que, após a doença, já tomou as duas doses da vacina. A terceira dose, aquela de reforço, está agendada para esta semana.

Ao ser abordado sobre se teria vivenciado algum tipo de experiência, daquelas que valem como referência para toda a vida, após ser vitimado pela Covid-19, Carlos Rolim admitiu ter vivenciado uma espécie de turbilhão de emoções. “Estar acometido por uma doença nova, tão grave e com tratamentos ainda em fase de descoberta, e que já havia feito milhões de vítimas fatais, mexe com inúmeros sentimentos, desde medo, esperança, revolta, fé, dentre outros”, disse. Para nosso colega da BC, houve ainda tempo para pensar sobre a finitude humana. “Comigo não foi diferente, de modo que reflexões sobre a fragilidade da vida e suas prioridades tornaram-se mais freqüentes. Da mesma forma, o sentimento de gratidão a Deus pela cura, pela vacina e pela continuidade da vida.”

Fé inabalável

A bibliotecária Regina Lúcia Gonçalves da Silva trabalha no Setor de Empréstimo, vinculado à Divisão de Serviços ao Usuário (DSU). Uma das funcionárias com mais tempo de serviços prestados à Biblioteca Central, ela apresentou os sintomas característicos de Covid-19 no Natal de 2020.

Regina recorda-se que estava num almoço em família. Nesse encontro, havia uma pessoa que estava assintomática. “Ninguém sabia, nem mesmo essa pessoa. No início do ano [2021], dia primeiro, comecei a perceber sintomas estranhos, mas que não condiziam com a Covid. Eu sentia dores nos quadris e tinha febre. Porém, não havia perdido o olfato nem o paladar”, afirma.

A servidora da BC disse que, desde então, começou a abusar de qualquer tipo de comida. Também não sentia fome. No dia 3 de janeiro de 2021, Regina Lúcia resolveu ir ao médico. Até então, ela se negava a acreditar que pudesse estar infectada pelo corona vírus. “Não é Covid porque não tenho os sintomas que são apresentados na mídia”, pensava.

Já no hospital, um dos médicos perguntou a Regina se ela queria fazer o teste Covid, recomendando também uma tomografia. Regina fez o exame para detecção do corona vírus no mesmo dia. A tomografia ficou agendada para o dia 5. “No dia 6, eu estava me sentindo muito fraca e pedi à minha filha, que é enfermeira, pra ir ao hospital. Aí começaram as minhas experiências ruins. Na ala vermelha, havia um senhor passando mal, respirando... A coisa mais feia do mundo. Eu me levantei e disse: ‘eu vou-me embora‘“, ressaltou.

Para Regina, que é hipertensa e considera-se fora do peso recomendado, aquilo tudo foi uma sentença de morte. Ela afirma que lembra-se muito bem do que se passou no final da tarde daquele dia 7 de janeiro de 2021. Regina virou-se para Joanna, sua filha e enfermeira, em sua companhia desde o início daquele drama, e proferiu: “Não consigo respirar. Eu vou morrer. Acho que não vou mais te ver”. O passo seguinte foi o processo de entubação.

A bibliotecária ficou entubada durante 12 dias. Ela conta que foi um período muito triste. “Estou dizendo a você, em confiança. Mas, pode fazer a reportagem, inclusive citar meu nome”, disse Regina, sem sustentar o choro. Já refeita da emoção, ela disse que, quando esteve internada, tinha, sim, um pouco de consciência. “Não ouvia as pessoas, mas eu pensava que aquilo que estava acontecendo comigo devia-se às medicações. Eu tive muitas alucinações. Via coisas horríveis. Coisas terríveis. Voava, passava por cavernas, via fantasmas... E nessas horas, quando tinha um pouco de lucidez, eu clamava por Nossa Senhora“, revelou.

Regina esteve, praticamente, o tempo todo em estado semiconsciente. Devido à sua religiosidade, jamais sentiu-se desamparada. “Nossa Senhora sempre foi meu guia, um ser de luz, a mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo. Eu me agarrava com ela. Pedia, pedia, pedia... Num belo dia, eu saí de uma caverna escura e cheguei... Assim... Como se fosse um bosque, cheio de borboletas. Então, eu disse: ‘Não vou morrer’. Borboleta é vida!”, comemora.

A bibliotecária recorda outro daqueles instantes memoráveis com sua filha, Joanna. “Ela chegou e eu demorei a reconhecê-la. Joanna disse: ‘Mãe, tá lembrada de mim? Eu sou sua filha. Eu estive na sua casa, reguei as plantas, liguei o carro...’ Em seguida, minha filha falou que minha mãe, os meus netos, que todos estavam bem.”

Regina ainda passou três dias na UTI. Em seguida, foi levada para o apartamento. Então, veio o momento mais esperado: a alta médica. “Aí, foi mais uma emoção. Na hora que você sai... Eles [a equipe médica] todos rezando, fazendo louvor a Deus. Neste dia 25, agora fez um ano, eu tive alta. Vou passar pra você o vídeo da minha emoção, no momento em que saí do hospital”, relatou, ainda em plena euforia. 

Vídeo 1

A bibliotecária se define, religiosamente, como espírita. Ela destaca  a importância de Nossa Senhora em sua vida. “É um ser iluminado, como eu já te disse. É a mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, a quem eu peço sempre sua intercessão. Minha vida espiritual se tornou mais forte. Eu acredito na reencarnação. Eu acredito na força do bem. Nós não estamos aqui por acaso. Estamos aqui para evoluir”, ensina.

Vídeo 2

No final da entrevista, mais um momento de emoção. “Desculpe-me, mas, cada vez que falo sobre esse ano que se passou, eu fico emocionada. Emocionada e agradecida porque Deus é bom o tempo todo. Um grande abraço, meu amigo. Um cheiro no teu coração. Fica com Deus e que Nossa Senhora te proteja eternamente”, acrescentou.

De acordo com a onomástica, Regina significa “rainha” ou “senhora absoluta”. Já Lúcia que dizer “iluminada” ou "aquela que nasceu com a manhã". Sem mais palavras.

Costa Filho

Foto: Acervo BC